O livro “Os quatro ventos”, de Kristin Hannah, foi editado em Portugal em Novembro do ano passado pela Bertrand Editora, surgindo como uma promessa de grande sucesso junto dos leitores portugueses. Kristin Hannah está longe de ser um nome desconhecido entre nós, sendo uma autora com inúmeros fãs no nosso país graças a livros como “O Rouxinol” ou “A grande solidão”. Enquanto o primeiro tem a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo e o segundo se foca num regressado da Guerra do Vietname, “Os quatro ventos” transporta-nos para uns Estados Unidos da América assolados pela grande seca vivida nas Grandes Planícies nos anos de 1930. Aclamado pela crítica além fronteiras, esta é a sua sinopse, antevendo um romance épico sem igual:
Texas, 1934. Milhões de pessoas enfrentam o desemprego e uma terrível seca assola o vasto território das Grandes Planícies dos Estados Unidos da América. Os agricultores lutam por manter e dar vida às suas terras e aos seus animais, mas as colheitas são escassas, a água é cada vez mais rara e tempestades de areia com vaga após vaga de pó ameaçam cobrir tudo debaixo do sol. Um dos períodos mais negros da Grande Depressão, eram os anos do Dust Bowl, quando uma faixa do território da América se transformou numa aterradora taça de pó – o retrato de Florence Owens Thompson e dois dos seus filhos haveria de ficar imortalizado na lente de Dorothea Lange numa fotografia, Migrant Mother, que hoje todos reconhecemos. É neste período incerto e terrível que Elsa Martinelli – como tantos dos seus conterrâneos – terá de proceder à mais angustiante das escolhas: ficar e lutar pelo que tem de seu, ou partir para Oeste, rumo à Califórnia, em busca de uma vida melhor para si e para a sua família. Tudo na sua propriedade está a morrer, incluindo o seu casamento; cada dia é uma batalha desesperada contra a mãe-natureza e uma luta para a sua sobrevivência e a dos seus filhos. Os Quatro Ventos é uma narrativa preciosa, um romance a que não falta nada, que dá vida e voz, de forma absolutamente extraordinária, à época da Grande Depressão e àqueles que por ela passaram – uma realidade demasiado cruel que dividiu os Estados Unidos e rasgou o sonho americano, criando uma trincheira entre aqueles para quem tudo não é suficiente e aqueles que nada têm de seu. Um testemunho de esperança, resistência, amor e da força do ser humano perante a adversidade.
Com esta sinopse e sabendo o impacto que os livros de Kristin Hannah têm nos seus leitores, parti para esta leitura com as expectativas elevadas… Fique agora a conhecer a minha opinião sobre este livro.
“Os quatro ventos”: Terá esta narrativa sido uma leitura marcante para mim?!
Este foi um lançamento muito bem acolhido pela comunidade de bookstagrammers e de bloggers literários portugueses. Cada vez mais as nossas editoras reconhecem a importância que o marketing literário tem para os novos lançamentos e a importância de apostar no bookstagram e, reflexo disso, foi a forma cuidada como “Os quatro ventos” me chegou às mãos. Uma caixa que deixava antever um romance que não me deixaria indiferente e que tinha potencial para marcar as leituras do final de 2021.
Sou uma grande apaixonada por livros que tenham uma base histórica e encontrei isso neste livro de Kristin Hannah. O livro é marcado por um olhar sob a realidade e a sociedade da época nos Estados Unidos, não se mascarando a segregação dos que não eram bem-vindos nas pequenas cidades do Texas profundo: “Texas. Oklahoma. Arkansas. É tudo igual. Vocês são todos iguais. Esta é uma cidade de bons cristãos – Apontou para a estrada – É naquela direcção que deve ir. São cerca de vinte e três quilómetros. É lá que vivem os da sua laia” (pág. 221). Estas descrições são feitas com a linguagem dura que a realidade impunha, transportando-nos para um tempo feito de muitas dificuldades, de violência e de sonhos perdidos. Impossível ficar indiferente à descrição das relações de poder entre os fazendeiros e os seus trabalhadores e todas as condições miseráveis a que os primeiros obrigavam os segundos a viver, sempre apoiados pelas forças da autoridade: “Os grandes fazendeiros e os seus polícias e cidadãos corruptos transformados em vigilantes põem os seus compatriotas em jaulas para acabar com uma greve de trabalhadores que só queriam uma oportunidade” (pág. 382).
E o que dizer das personagens femininas que Kristin Hannah constrói para os seus romances, materializada neste livro na força e coragem de Elsa Martinelli?! Elsa surge nas primeiras páginas do livro condenada a viver na infelicidade e na sombra da sua família, qual patinho feio a quem nunca seria permitido amar. Apesar de todos os obstáculos e contrariedades que a vida lhe coloca à frente, Elsa continua com passo decidido, mesmo quando parece ignorada pelo homem por quem se apaixonou. Vê-se entrar para uma família que não a desejava e ter uma filha que parece não a amar como Elsa desejaria. É esta mulher sustentada nos braços de infelicidades consecutivas que se vê a atravessar os Estados Unidos, lutando contra os efeitos da Grande Depressão e da Dust Bowl, em direcção a uma Califórnia que prometia uma vida melhor para quem conseguisse lá chegar. No entanto, mais uma vez a vida é madrasta e parece ser difícil a Elsa conseguir a felicidade que sempre desejou.
Mas a Califórnia vai, finalmente, trazer os braços fortes que irão acolher Elsa com o calor de que ela necessita. A personagem de Elsa está construída de uma forma muito especial e inspiradora, afirmando-se num mundo de homens e mostrando como a coragem se esconde dentro de nós, à espera de surgir quando mais fosse necessária:
“Elsa sorriu, pensando outra vez no avô. Foram precisas décadas, mas finalmente sabia exactamente qual era a sua intenção quando lhe dizia certas coisas. Não era o medo que era importante na vida. Eram as escolhas que de fazem quando se tem medo. Somos corajosos por causa do medo, não apesar dele” (pág. 422)
“Sê corajosa. Foi a última coisa que ela me disse neste mundo, e eu só gostava de hebete dito que a sua coragem me guiaria sempre. Nos meus sonhos, digo Adoro-te, digo-lhe todos os dias como ela me moldou, como ela me ensonou a impor-me e a encontrar a minha voz de mulher, mesmo neste mundo de homens” (pág. 443)
Este é um livro especial, que me permitiu conhecer um pouco mais sobre uma época da História dos Estados Unidos sobre a qual nunca tinha lido. Foi um livro marcante e que me fez perceber o porquê de Kristin Hannah ter tantos fãs entre os leitores portugueses. Esta é uma autora com uma voz forte, marcante, que mostra as fragilidades que o ser humano pode ter, ao mesmo tempo que o faz percorrer um caminho épico e transformador. Um livro que ficou claramente entre os meus favoritos de 2021, e que ultrapassou as expectativas que eu tinha sobre ele quando me chegou às mãos. Um livro que recomendo a quem esteja desse lado e que goste especialmente de romances históricos com personagens fortes e uma cadência de narrativa feita de crescimento.
O livro “Os quatro ventos” foi-me gentilmente cedido pela Bertrand Editora.