“Munique”: Um thriller no centro do Nazismo

Sabes o que me cativou primeiro no livro“Munique”, de Robert Harris?! Foi, sem dúvida, a sua capa! De tons sombrios, pessoas nas sombras e a palavra Munique em letras destacadas a vermelho, remeteu-me imediatamente para o coração do Nazismo (partilhado com Nuremberga, a declarada “Cidade dos Comícios do Partido Nazi” em 1933). Quase que parecia ouvir as vozes ensurdecedoras à passagem de Hitler a caminho de Feldherrnhalle, localizado na Odeonsplatz, local emblemático para os nacional-socialistas, para a propaganda do Partido Nazi e para os rituais iniciáticos dos novos elementos das SS.

 

Sobre a cidade de Munique…

Munique é tudo isto: a capital do movimento nazi e onde ocorreram as primeiras reuniões entre Hitler e os seus seguidores (na cervejaria Hofbräuhaus am Platzl), a localização da cervejaria Bürgerbräukeller onde ocorreu o Putsch em 9 de novembro de 1923 (a tentativa falhada de Hitler de tomada do poder na região da Baviera), a localização do discurso de Joseph Goebbels (Altes Rathaus, a antiga câmara municipal) que inflamou toda a Alemanha e que originou a Kristallnacht em 9 de novembro de 1938, a localização do primeiro grande projecto da Alemanha Nazi (a Casa da Arte Alemã ou Haus der Kunst) inaugurada em 1937 e os locais dos grandes eventos públicos nazis na Königsplatz (Praça do Rei) como o Führerbau que será o palco de alguns dos principais acontecimentos narrados neste livro. Esta é a Munique que vamos encontrar neste livro: centro nevrálgico de algumas das decisões do Fuhrer e em que vamos ver como Legat e Hartmann, colegas de faculdade em Oxford, vão de tudo fazer para tentar alterar o rumo da história.

 

“Munique”: O que podes encontrar neste livro?

O enredo centra-se nos dias em torno do Acordo de Munique, datado de 29 de setembro de 1938. A conferência de onde saiu este acordo, celebrada entre Hitler, Chamberlain, Daladier e Mussolini, pretendia definir os aspectos relacionados com o futuro da Checoslováquia, estado criado com a dissolução do Império Alemão. A principal questão de Hitler prendia-se com os Sudetas, população de etnia alemã (totalizando cerca de 3 milhões de pessoas), que viviam nas zonas da Morávia e da Boémia e que sempre defenderam a sua autodeterminação e a sua junção a outros povos germânicos da Alemanha e Áustria.

Em 26 de setembro de 1938, Hitler fez um ultimato ao Governo de Praga, dizendo que iria anexar as regiões habitadas pelos Sudetas, e são esses momentos até ao Acordo de Munique que podes encontrar no livro de Robert Harris (curiosidade: o Acordo de Munique, que definiu que a zona habitada pelos Sudetas passaria para o domínio alemão, a partir de 10 de outubro de 1938, e que Hitler passava a deter o controlo de toda a Checoslováquia, não havendo mais nenhuma intervenção de Inglaterra e de França caso Hitler desse por terminados quaisquer outros desejos de reivindicação territorial (curiosidade: os checos chamam este acordo de “Sentença de Munique” ou “Traição de Munique” por tudo o que de negativo foi trazido para o país). Mas infelizmente, sabemos que isso não aconteceu… O ganho do tão desejado espaço vital para o povo alemão (o lebesraum de Ratzel) constituiu-se sempre como um dos pilares do movimento Nazi e do pensamento de Hitler, aspecto que surge destacado no livro. Ainda que de forma leve, Robert Harris introduz conceitos de geopolítica essenciais à compreensão do Acordo de Munique e do desejo de expansão territorial de Hitler: “Devido ao seu elevado número e aos estreitos limites de espaço habitável (…) implicando o direito a um maior espaço viram do que no caso de outros povos” (pág. 247)”. Mas passando à narrativa de Robert Harris…

Este é um romance histórico inspirados por factos reais. De muitos deles, temos fotografias que Robert Harris soube habilmente reproduzir por palavras. De outros, a mente criativa de Harris dá-nos uma fotografia verdadeiramente apaixonante, a preencher todos os requisitos dos apaixonados por um bom livro de espionagem política. As duas personagens principais deste enredo são Legat, o inglês típico funcionário público com aspirações na carreira diplomática e que inicia o seu percurso a trabalhar no número 10 de Downing Street, e Hartmann, alemão puramente ariano e funcionário do Partido Nazi mas que não se sente verdadeiramente identificado com o rumo que a Alemanha, a sua pátria amada, está a seguir pelas mãos de Hitler. É assim que chegamos a uma conspiração contra Hitler que pretende deitar por terra as suas aspirações expansionistas e que facilmente nos remete para as imagens do filme “Valquíria”, com Tom Cruise sobre a última tentativa de assassinato de Hitler, em julho de 1944, pelo coronel Claus von Stauffenberg e colaboradores.

Hartmann, primeiro a solo com o envio de documentação secreta para Legat em Londres, e depois integrado num grupo de opositores de Hitler, tenta alterar o curso do Acordo de Munique e levar a que Chamberlain não assine esse acordo, antevendo que Hitler não irá cumprir o que foi assinado… A escrita de Robert Harris é suficientemente descritiva, mas sem ser em demasia, para nos permitir sentir as dinâmicas pessoais, os sons e aromas de cada local, fazendo-nos viajar no tempo. Consegue, sem dúvida, incorporar elementos ficcionais onde é necessário para dar a conhecer o que poderão ter sido os meandros e corredores em torno de Munique: a posição de Chamberlain dizendo que tudo faria para que a paz perdurasse na Europa e no mundo, a postura da França de Daladier se grande expressividade, Mussolini acompanhado pelo seu genro Ciano quase fantoche do apoio a Hitler e um Hitler denunciando os primeiros sinais de que a Checoslováquia seria apenas o começo do que seriam os anos seguintes de horror na Europa. Tudo em nome do espaço vital e da supremacia da Alemanha, antes humilhada pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial.

 

“Munique”: Tudo o que senti a ler este livro!

A narrativa tem os ingredientes indispensáveis a qualquer romance de espionagem: sombras na escuridão, recados deixados na caixa do correio, armas junto ao corpo, documentos oficiais passados enrolados no jornal do dia… Enfim, já dá para perceber que gostei bastante da leitura e que “Munique” já tem um lugar especial no meu coração de leitora. Gostei também bastante de Harris tivesse mostrado como as grandes potências iam fechando um pouco os olhos ao que já se percebia que ia acontecendo na Alemanha: o campo de Dachau já em funcionamento, os terríveis interrogatórios da Gestapo com muita tortura à mistura (retratados no episódio em que Hartmann leva Legat a ver Lenya, uma verdadeira sombra do passado desta opositora de Hitler), a forma algo doentia de Hitler viver que mantinha um quarto-santuário em sua casa dedicado à sua sobrinha… A escrita e a materialização deste “Munique” está muito bem conseguida e acho que não é um romance histórico chato ou que nos faça perder rapidamente o interesse na leitura. Entre as personagens reais e as ficcionadas vemos uma perfeita ligação, que nos leva a pensar em qual teria sido o rumo da Europa se alguma das tentativas de sabotar as ideias de Hitler tivesse funcionado… É também um livro que mostra claramente o peso que o passado pode ter nas decisões políticas e económicas do presente (materializado na ideia de humilhação da Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial) e, de alguma forma, a maneira como Harris descreve, de forma quase caricatural, Chamberlain, Daladier e Mussolini materializa aquilo que vemos associado a ingleses, franceses e italianos e que cunham claramente o ADN destes países.

Claramente, um livro que recomendo a todos. Não o deixem passar ao lado quando se cruzarem com ele numa livraria!!

 

“Munique”: O Resumo Da Minha Opinião

O que mais gostei neste livro?

  • A escrita inconfundível de Robert Harris, sempre com um toque cinematográfico.
  • A mistura doseada entre a ficção e os factos verídicos, conferindo uma deliciosa dimensão à narrativa e que prende qualquer leitor que goste deste género.
  • A capacidade de demonstrar a dificuldade de fazer as escolhas certas no momento certo, mesmo que isso pudesse colocar em causa a própria vida.
  • A capa extraordinariamente bem conseguida, que nos transporta para um comício nazi, enquanto deixa a penumbra do trabalho dos espiões bem presente.

 

Detalhes Do Livro:

Título: Munique (no original: Munich)

Autor: Robert Harris

Editora e data de publicação: Editorial Presença, Novembro de 2020

Encadernação: capa mole

Páginas: 344

Classificação temática: Literatura – Policial e Thriller

Classificação Goodreads: 3,8

 

Outros livros de Robert Harris sobre a época da Segunda Guerra Mundial

Robert Harris tem um conjunto de romances históricos cujo foco é a época da Segunda Guerra Mundial: Fatherland (1992), Enigma (1995), Munique (2017). Vários dos seus livros têm adaptação cinematográfica por Roman Polanski (como O oficial e o espião ou Pompeia).

Podes escolher ler o livro “Munique” para o projecto “Ler é respeitar a história” nas categorias “um livro com uma capa marcante” ou “um romance histórico“.

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One Comment

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